Fundação Círculo Psicanalítico

FUNDAÇÃO DO CÍRCULO PSICANALÍTICO DE MINAS GERAIS

Igor Caruso, responsável com o barão Alfred Von Winterstein e o conde Wilhelm SolmsRödelheim, pela resistência à política de colaboração preconizada por Ernest Jones, assim como pela reestruturação da Sociedade Psicanalítica de Viena, grupo criado por Freud, no ano de 1908, e vinculado à IPA. Caruso distanciou-se da Sociedade Psicanalítica de Viena, dado o modelo fechado de se pensarem as ideias de Freud nas sociedades ipeístas. Caruso defendia “uma assimilação da psicanálise na grande tradição ocidental da conduta da alma e era insistente na direção de uma filosofia antropológica de bases cristãs”. Assim, buscando uma nova direção para se pensar o campo da psicanálise, Caruso fundou, no ano de 1947, o Círculo Vienense de Psicologia Profunda. Nesse sentido, o grupo formado por Igor Caruso se constituiu como uma dissidência em relação à IPA. Um dos objetivos iniciais foi fugir do dogmatismo ipeísta. Para o sócio do Círculo, era necessário trazer consigo uma rigorosa aplicação da análise psicológica e a síntese existencial sem deixar de lado a possibilidade de trazer para esse debate ideias religiosas, sendo que estas, por vezes, marcavam o clima das reuniões.

No entanto, se, nos primeiros anos, teve-se a tentativa de situar os conceitos freudianos sobre bases não-psicanalíticas, a partir da noção de que o pensamento de Freud era demasiadamente ortodoxo (perspectiva influenciada pela IPA), em um novo estatuto do Círculo, no ano de 1953, trouxe-se a afirmação de uma nova aproximação da formação do Círculo Vienense de Psicologia Profunda com as ideias freudianas a partir do reconhecimento de que a psicanálise não se constitui como um sistema fechado. Note-se que a IPA e o Círculo seguem caminhos distintos sem partilharem da mesma leitura dos textos freudianos. Diante desse quadro, as ideias do Círculo Vienense de Psicologia Profunda chegaram ao Brasil por intermédio de um grupo de pessoas analisadas em Viena (Malomar Lund Edelweiss, Francisco Vidal, Gerda Kronfeld e Sigfried Kronfeld), que convidaram Igor Caruso para um encontro em Pelotas – RS no ano de 1956. Desse encontro, nasceu o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, que, posteriormente, viria a ser chamado de Círculo Brasileiro de Psicanálise, primeira instituição no País vinculada ao grupo de Viena. A partir da oficialização do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda, Malomar –sujeito de religiosidade marcante e maior entusiasta da vinda de Caruso ao Brasil – se mudou para Belo Horizonte, onde “fixou residência, dando-se, sobretudo, ao trabalho de psicoterapeuta, mantendo, além do consultório, intensa atividade docente e grupos de sacerdotes, médicos e psicólogos que o procuram”. Após algum tempo trabalhando com psicanálise em Belo Horizonte, Malomar fundou, no ano de 1963, o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, para trabalhar a formação de analistas.

Cabe apontar aqui que o surgimento do Círculo, no início da década de 1960, corresponde ao período contemporâneo da psiquiatria mineira, apontado por Moretzonh (1989), que foi influenciado justamente pela chegada da psicanálise e das drogas psicotrópicas. A formalização de um grupo vinculado ao Círculo de Viena ao Brasil se deu na mesma década da oficialização de uma instituição ipeísta no País. No entanto, se o Círculo chegou a Minas Gerais no ano de 1963, a primeira instituição ipeísta, devido às diversas exigências para a sua formação, só veio a se formar em território mineiro em 1993. Para Santos (2014) uma assertiva preliminar é que se pode afirmar uma das características marcantes da chegada de uma instituição de formação psicanalítica em Minas Gerais foi a resistência de uma parte dos psicanalistas a seguir os preceitos da IPA e a aproximação com a concepção de homem do existencialismo, mais palatável para as ideias religiosas presentes no catolicismo marcante desse Estado.

Após a fundação do Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda de Minas Gerais, conforme Djalma Teixeira em um vídeo feito em homenagem aos 40 anos do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais [CPMG], Malomar se viu diante da resistência de diversos psiquiatras, que diziam que a psicanálise, tal como era praticada e ensinada no Círculo, não podia ser aceita, dada a sua não vinculação à IPA. Essa resistência se deu pelo fato de já haver sociedades ipeístas em São Paulo, Porto Alegre e Rio de Janeiro, que, de certa forma, buscavam monopolizar a formação por serem herdeiras diretas da Associação fundada por Freud. Apesar dessa resistência inicial, Malomar seguiu seu trabalho, tendo em Elba Duque de Moura, Djalma Teixeira e Jarbas Portela os primeiros membros em formação do Círculo. Ainda no ano de 1963, Eunice Rangel e Antônio Ribeiro se juntaram ao grupo, fazendo também a análise três vezes por semana e frequentando os grupos de estudos para leitura dos textos freudianos, aém de diversos filósofos, dentre eles Caruso. Esse período de implantação do Círculo coincide com a inauguração do Hospital Galba Velloso, que começou a funcionar em Belo Horizonte no ano de 1962. Vemos que o Galba nasceu com uma proposta inovadora em relação à psiquiatria que se fazia no Estado até então, uma vez que, nesse hospital, eram buscadas possibilidades terapêuticas diferenciadas daquelas mais organicistas, praticadas majoritariamente no Estado até então. Essa abertura a novas propostas possibilitou o diálogo da psiquiatria mineira com diversos discursos que antes não teriam espaço, tais como a fenomenologia de Jaspers, a obra de Alonso-Fernandez e a psicodinâmica, referencial que levou os psiquiatras a se aproximarem de Malomar e do Círculo Psicanalítico. Diante dessas condições, diversos médicos buscaram contato com a teoria psicanalítica por intermédio do Círculo Psicanalítico, sendo fortemente influenciados pelo diretor do Galba Veloso, Jorge Paprocki, que já, em 1966, fazia formação em psicanálise com Malomar e aconselhava todos no hospital a buscarem análise pessoal.

Verificou-se a aproximação entre a psiquiatria e a clínica psicanalítica tal qual ela encontrou espaço em Minas Gerais. Nomes de psiquiatras que buscaram construir seu percurso, formando analistas no Círculo, emergem desse contato, como Marco Aurélio Baggio (que fez análise com Célio Garcia e Jarbas Portella) ou Javert Rodrigues (Piccinini, 2006). Ainda dessa relação, temos Eunice Rangel, que fazia formação com Malomar desde 1963 e se constituía como uma das médicas do Galba nessa época. Para Santos (2014), a psicanálise, enquanto possibilidade clínica, começou a ganhar força em Belo Horizonte em meados da década de 1960. A instituição de formação que havia em Minas Gerais – o Círculo Psicanalítico – oferecia uma formação ampla, que não se restringia somente aos textos freudianos, nem tampouco à classe médica. No entanto, com o aumento do número de pessoas que se encontravam em análise e que passaram a buscar sua vinculação ao Círculo Psicanalítico, em 1967, passaram a surgir diversos questionamentos com relação ao modelo de formação utilizado. Esse modo mais livre e aberto de se formar em psicanálise começou a ser questionado, surgindo a afirmação da necessidade de maior hierarquização e rigidez nas relações estabelecidas no interior da instituição. Assim, nos fins da década de 1960, tivemos uma crise nos dispositivos de formação até então utilizados pelo Círculo Psicanalítico, da qual emergiu a ideia de trazer Igor Caruso a Belo Horizonte, para serem discutidas novas possibilidades quanto à estrutura de formação de analistas. Dessas discussões, surgiu a filiação à Federação Internacional de Sociedades Psicanalíticas [elaborada como alternativa à IPA].

No ano de 1969, foi criada no Círculo a Comissão de Análise Didática (CAD), grupo que estruturalmente trouxe a marca da hierarquia anteriormente falada. O objetivo da CAD era controlar e organizar a formação de analistas. Nessa conturbada época para o Círculo, houve, a partir da CAD, uma aproximação com o modelo de formação utilizado pela IPA (com análises didáticas e seminários teóricos), assim como maior centralização do poder e maior distanciamento do Círculo Vienense de Psicologia Profunda. Em 1970 o Círculo Brasileiro de Psicologia Profunda se tornou Círculo Brasileiro de Psicanálise [CBP], e a instituição mineira passou a se chamar Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Filiados ao CBP, todos os Círculos Psicanalíticos tinham uma marcante autonomia, e, em Minas Gerais, tal instituição foi ganhando um estilo mais particular a ponto de o psicanalista José Domingues de Oliveira afirmar que seu desenvolvimento foi quase autóctone. Nas palavras de Malomar, a CAD aproximava o Círculo das sociedades ortodoxas, e seu surgimento marcava uma diferenciação na estrutura de poder da instituição – que antes tinha no sacerdote a única referência – agora haveria vice-presidentes, secretários e tesoureiros. Se, por um lado, o início da década de 1970 marcou essa burocratização no Círculo Psicanalítico, em que mais pessoas dividiriam o poder com Malomar, houve também a marca de uma centralização das possibilidades de ocupar tais lugares, já que eles serviam apenas aos didatas. Se, antes, Malomar buscava manter um estilo mais liberal no que se refere à formação, com a CAD e a abertura a novas diretorias, a instituição trouxe a marca de um certo autoritarismo por parte dos didatas. Mas ao fim da década de 1970, uma nova crise levou ao questionamento da CAD e do privilégio de apenas os didatas poderem se candidatar à presidência. Nos de 1970, nas palavras de Antonio Ribeiro, a CAD “conseguia manter uma imagem de uma certa coesão, ela era o pai de Totem e Tabu”, no início da década de 1980 ocorreu um movimento que questionou a hierarquização, a coesão pela referência a um mestre. Não por acaso, na década de 1960, o regime ditatorial se instaurou no Brasil, buscando organizar e manter coesas as relações sociais a partir da figura de lideranças autoritárias. Paralelamente a isso, se formou uma Comissão no interior do Círculo Psicanalítico que buscava manter a coesão a partir de uma figura centralizadora (tornada clara na comparação ao pai totêmico). A respeito da relação Círculo Psicanalítico ditadura, Célio Garcia destacou o quanto as sociedades, nessa época, se organizavam ou passaram a se organizar de modo fechado, exigindo uma certa fidelidade. Ainda a respeito disso, Javert Rodrigues apontou o caráter fortemente burocrático que se formou, no interior do qual as coisas só poderiam ser faladas dentro da subserviência ao escalão burocrático e do respeito à autoridade. Se, por um lado, tal hierarquização – estruturada em torno da CAD – foi uma proposta que acompanhou o fortalecimento do regime ditatorial, por outro, esse modelo passou a ser questionado e a perder força justamente no início da década de 1980, acompanhando o questionamento político a toda estrutura de poder autoritária e o consequente enfraquecimento do regime ditatorial em prol de uma democratização do País. Podemos  considerar a formação clínica em psicanálise em Minas Gerais como sendo fundada em uma estrutura que se articulava às condições políticas nas quais o Estado se encontrava. A partir desse momento, vemos a maior democratização no Círculo Psicanalítico, com a formação do Grupão (assinado por diversos sócios, em que haveria maior espaço para discussão sobre questões referentes à instituição) e os Seminários Livres nas jornadas (em que se teria um espaço para discutir todo e qualquer assunto que o sujeito apresentasse). Na década de 1980 o Círculo Psicanalítico de Minas Gerais passou a operar de um modo menos burocrático, o Grupão, os sócios passaram a ter mais espaço para se colocarem diante tanto de questões estruturais quanto referentes à formação. É importante destacar todo esse percurso realizado pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, iniciado no ano de 1963, como também o fato de que uma instituição ipeísta ter se instalado em Minas Gerais apenas 30 anos depois.

SANTOS, Rodrigo Afonso Nogueira; NETO, Fuad Kyrillos. Contribuições para uma historiografia da psicanálise em Minas Gerais. Analytica,  São João del Rei ,  v. 3, n. 4, p. 145-172,  jan.  2014. Disponível no link: acessar

MENDES, Eliana Rodrigues Pereira. A presença de Igor Caruso no Brasil. Estud. psicanal.,  Belo Horizonte,  n. 39, p. 47-52,  jul.  2013. Disponível no link: acessar
Malomar Edelweiss
Nasceu em Santa Cruz do Sul, 11 de janeiro de 1917 — Faleceu em 6 de outubro de 2010 em Belo Horizonte Minas Gerais.
Igor Caruso

Nasceu em 4 de fevereiro de 1914, em Tiraspol, sul da Rússia, hoje Moldávia. Faleceu em 28 de junho de 1981, em Salzburg, Áustria

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