História da Psicanálise em Minas Gerais
A psicanálise encontrou espaço no Brasil e em Minas Gerais a partir de outros campos, e Freud começou a ser lido no País como sendo mais uma possibilidade para os interesses da psiquiatria e do movimento modernista. Assim, a psicanálise chegou a Minas Gerais pela psiquiatria e pelo modernismo. Sobre a psiquiatria, ganhou força no início do século XX [1920] com discurso voltado ao controle das populações e certa expansão da medicina para o campo da sociedade, se tratou de melhorar as condições sanitárias nas quais a população vivia e seus efeitos sobre o que se afirmava como sendo as causas da doença mental.
Influenciado pela Liga Brasileira de Higiene Mental, o estado de Minas Gerais abriu espaço para um discurso psiquiátrico voltado para diversas questões sociais importantes para a medicina da época. Em 1932 foi criada a sociedade Pestalozzi de Minas Gerais, na qual apontava-se a necessidade de uma boa educação da criança – inclusive a sexual, no que se refere ao controle dos impulsos e se tornar um adulto saudável. Em Minas Gerais, como no Rio de Janeiro, observou-se que foi a partir de uma lacuna na psiquiatria que a psicanálise encontrou espaço, fornecendo elementos para o projeto de controle das populações no que se refere à educação dos impulsos da criança, em um processo de modelagem da sexualidade. Nesse movimento ocorreu a assimilação de algumas das teses freudianas, mas de modo a situar a psicanálise como mais uma ferramenta do campo psiquiátrico. A psicanálise se tornava apenas mais uma, dentre as várias possibilidades técnicas da psiquiatria do que como um campo com suas coordenadas próprias. Em [1925] chegou ao Brasil um projeto com a proposta freudiana em seus próprios termos sem buscar adaptá-la a outro campo. O psiquiatra mineiro Iago Pimentel tentou demonstrar equívocos aplicados a psicanálise no Brasil, e publicou a primeira tradução de texto psicanalítico no Brasil, escolhendo para isso trechos das conferências feitas pelo próprio Freud.
Projeto este que foi apresentado na segunda edição do periódico modernista A Revista (editada por Carlos Drummond de Andrade) seguido de uma discussão metapsicológica a respeito de diversas noções freudianas, como consciente e inconsciente, resistência, dinamismo da vida psíquica e sexualidade. Note-se um importante movimento para a apropriação da psicanálise em Minas Gerais, já que esse foi um projeto organizado por um psiquiatra, que encontrou espaço em uma revista modernista, o que mostra as ideias freudianas circulando pelas duas vias que se constituíram como as portas de entrada das noções psicanalíticas no Brasil.
A peculiaridade desse movimento reside no fato de que não houve, aqui, uma “descaracterização” da psicanálise em prol dos projetos políticos próprios a esses campos, visto que Pimentel buscava justamente divulgar e dar a conhecer a lógica própria que organiza os conceitos psicanalíticos a partir da tradução literal de textos freudianos. Além das revistas A Revista e a Verde, temos ainda outro periódico circulando pela cena modernista mineira no qual o nome de Freud surge. Estamos falando do Leite Criôlo, periódico que inicialmente tomou a forma de um tabloide e, posteriormente, de um suplemento dominical do Estado de Minas, no ano de 1929.
Vemos esse grupo modernista próximo ao grupo da Revista de Antropofagia de São Paulo. Na década de 1930, verifica-se outra perspectiva no tocante à leitura dos textos freudianos. Com a política de Vargas, houve um movimento de sedução dos intelectuais para uma valorização do aspecto técnico do conhecimento que teve efeitos na psicanálise no que tange à ausência de uma preocupação clínica nos debates nos quais ela estava envolvida. Influenciados também pela correspondência de Durval Marcondes (médico, estudante e divulgador da psicanálise em São Paulo) em que este indicava a importância de uma formação clínica aos moldes da IPA para a psicanálise brasileira, vemos o debate em torno da identidade nacional se enfraquecer por parte dos modernistas.
Com ênfase na formação clínica dada pelo próprio Freud, intelectuais modernistas se distanciaram da psicanálise ao ponto de rupturas com as noções freudianas, como nos apontou Mário de Andrade. Depois dos modernistas, surgiu em São Paulo, Rio e Minas Gerais uma discussão voltada à clínica psicanalítica. Na década de 1940 moravam em Belo Horizonte o austríaco Karl Weissman e o médico Leão Cabernite que discutiam temas relacionados à psicanálise sem a leitura modernista ou psiquiátrica tal como realizada anteriormente.
Weissman se interessava por psicanálise, havendo escrito, no ano de 1937 com Gastão Pereira da Silva, um livro chamado O dinheiro na vida erótica, livro que lhe rendeu uma carta escrita pelo próprio Freud, em 21 de março de 1938. Além disso, Weissman trabalhava na penitenciária de Ribeirão das Neves, tendo sua prática embasada na psicanálise. Cabernite publicou em 1944, textos psicanalíticos na Folha de Minas e procurou Weissman para estudar alemão e psicanálise, matéria então desconhecida do público em geral. Nos fins da década de 1940, Weissman iniciou contato com o psicanalista didata da IPA, Werner Kemper, que havia se mudado da Alemanha para o Rio de Janeiro.
Em Belo Horizonte Cabernite passou a atender em psicanálise. Assim se deu o começo da década de 1950, até o momento em que Kemper realizou uma viagem ao estado de Minas Gerais, quando Cabernite teve a oportunidade de solicitar ao alemão uma vaga para formação em psicanálise, no Rio de Janeiro, iniciada pouco tempo depois. Essa formação na Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro culminou na mudança de Cabernite para a capital carioca. Depois disso, a psicanálise se articulou a medicina de uma maneira diferente da que acontecia anteriormente. Nesse momento, esboçou-se um trabalho clínico por parte de Leão Cabernite e Paulo Dias Correia.
A psicanálise também se constituiu como a base do trabalho de Weissman como “psicanalista” da penitenciária de Ribeirão das Neves. No entanto, essa proposta de trabalho clínico se deu sem uma formação especificamente psicanalítica, e se constituiu apenas como os primeiros contatos com a psicanálise por parte de Cabernite e Correia, que só viriam a se dedicar a uma formação posteriormente, quando já não residiam em Minas Gerais.
Após a psicanálise estar entre os discursos da psiquiatria, do modernismo e como esboço de um trabalho clínico, podemos destacar o percurso que levou à primeira instituição de formação psicanalítica em Minas Gerais, ou seja, o Círculo Psicanalítico.
SANTOS, Rodrigo Afonso Nogueira; NETO, Fuad Kyrillos. Contribuições para uma historiografia da psicanálise em Minas Gerais. Analytica, São João del Rei , v. 3, n. 4, p. 145-172, jan. 2014. Disponível em PEPSIC Saiba mais .